sábado, 2 de outubro de 2010

Um dia de azar

Saí de casa para pagar uma dívida antiga, com juros. Fui tomar o ônibus e já quase chegando à esquina da parada, o coletivo passou. Assobiei, pensei em correr, mas o assobio foi entendido pelos vira-latas locais como um chamado e avançaram em minha direção atrapalhando a corridinha, daí perdi a condução. Anotei o número do carro para jogar no bicho – quem sabe, desse modo, recupero o prejuízo...
Meia hora passou e veio outro bus; esse eu peguei, só que o motorista não tinha troco - eu estava com uma única nota de cem reais. Chegando ao terminal, ninguém trocou, não paguei. Fui tomar um café na estação – mesma história – e, de novo, não fui cobrado. “Fica prá outra vez”- falou o cara do bar.
Dirigi-me apressado ao local combinado para quitar a dívida cruel e, lá chegando, cálculos foram feitos e, finalmente o valor: 101,00 reais. Tive que ir ao banco sacar 1 real para pagar a conta, mais o valor de duas passagens (teria que pagar a vinda que fiquei devendo) e mais dois cafés ( o de cedo e o da volta), tudo certo. Só que o banco estava lotado – era dia de pagamento de funcionalismo e aposentados. Centenas de idosos levavam horas nas máquinas, esquecendo senhas, errando teclas e reclamando do progresso.
Voltei às 6 em ponto, hora que fechava a firma de cobrança. Dá tempo – pensei – e entrei na fila do elevador. Todos saíam dos escritórios naquela hora e o tal não chegava nunca.
Chegou. Uma verdadeira procissão saiu do elevador - que não era muito grande - dúzias, centenas de pessoas saíam da mesma cabine, um absurdo, não cabem mais de 10 pessoas naquele local. Parecia filme de “O gordo e o magro”, mas estava acontecendo diante dos meus olhos.
Dez minutos depois o ascensorista acenou para que entrassem no elevador. Havia oito pessoas na minha frente; comigo, nove; com o cabineiro, dez. Dá pra mim, tranquilo – pensei – vou subir e, finalmente, pagar a conta!
Mas era meu dia de azar e na terceira pessoa o cabineiro anunciou: “lotado!”.
E demorou mais meia hora para reaparecer, pegou mais três pessoas, não sem antes desembarcar 93 ruidosos estudantes do cursinho do 4º andar.
Perdi a paciência e resolvi subir pela escada – o escritório ficava no 30º andar. E, surpreso, mais uma vez fiquei, ao achar emperrada a porta de incêndio da escada do 30º andar! Voltei e saí no 29º. Chamei o elevador, mas o ascensorista se negou a me levar para o andar de cima, com a alegação de que só poderia subir com passageiros do térreo! E assim, voltei ao local de origem enfrentando uma longa fila de 15 pessoas. Já era 8h da noite e o prédio foi invadido por enfermeiros do pronto socorro do coração – iam buscar um cardíaco no 30º andar. Era o meu credor, e morreu a caminho do hospital. Voltei pensativo para casa, sem conseguir trocar a nota de cem, sem dever mais nada para ninguém e soube, na rodoviária, que o ônibus que perdi foi assaltado. Não quiseram receber a passagem da manhã, pois o motorista esqueceu de comunicar a diferença ao despachante. O cara do bar não cobrou o café dizendo: “só você lembraria de 80 centavos”, e me deu outro, de graça. Conferi o jogo do bicho, e havia ganho!
Antonio Machado
Itaipuaçu, 25 de janeiro de 2008.

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